segunda-feira, 3 de maio de 2010

Reflexões sobre cachorros

Então adianta?

É verdade que podemos mudar as coisas de acordo com o que desejamos? Seria bom. Seria bom se todos atendessem o telefone quando eu ligasse. Seria maravilhoso nunca mais ouvir aquela mulher dizendo que o número encontra-se fora da área ou desligado. Seria muito bom se todo mundo chegasse no lugar determinado na hora exata combinada. Se combinamos 6h12 então que seja 6h12 e não 6h13, pois eu sempre estou ali na hora certa.

Eu fui percebendo que afinal, nem tudo vai de acordo com o combinado. Nem de acordo com o imaginado.

Um dia eu estava andando pelo meu condomínio e uma menina passou correndo e atrás dela vinha um cachorro imenso. Meio dourado. Prateado. Não sei bem definir a cor, só sei que era linda. Eu fiquei ali olhando aquela cena digna de comerciais d Pedigree. Eu esperava por alguém que não aparecera na hora. Estava ali, me divertindo, sonhando com um cachorro bicolor. Cintilante.

Por muitas vezes eu passei ao lado dessa menina e o seu gigante. Sempre olhando com uma certa curiosidade incrédula. Como ela estava sempre feliz. Como sempre tinha energia para correr atrás, na frente. Em volta. E eu ali, lendo livros sentada numa mesa com cadeiras brancas. Um pé em cada uma. A saia jogada cuidadosamente para não mostrar mais do que o devido.

Todos se atrasavam. Todos esqueciam de me ligar de volta. Todos deixavam-me na companhia dos meus personagens de livro e meus personagens reais.

O cachorro nunca se atrasava. Ele estava sempre ali, babando no lugar e na hora certa. Corria na direção e na velocidade esperada. E eu continuava lendo. Continuava ouvindo músicas e vendo velhinhas andando devagar para passar o tempo. O cachorro deixaria de aparecer um dia? Ele também poderia me decepcionar? Ele deixaria de atender a minha ligação?

Foda-se. Não me importa. Aliás, pouco me importa. Que a menina corra e ria seu riso canino. Que ela fale a língua dos cães dourado-prateados. Falo as minhas línguas e escuto 'nãos' em todas elas. Não queria ser um comercial de Pedigree, de qualquer forma.

O meu sonho sempre foi um labrador correndo na minha direção com a língua de fora. Balançando bastante. Quase um pêndulo errado. Desconcertado. Eu iria puxa-lo pelo pescoço e deixá-lo mordiscar minha mão. Mas eu não iria correr atrás dele. Eu não iria deixá-lo correr atrás dos meus calcanhares. Ele nunca estaria na hora certa e lugar nenhum.

Estaria comigo em todos os lugares, para que me ajudasse a esperar a menina e seu gigante sorrindo seus risos eternos.

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