domingo, 18 de julho de 2010

O motor inesperado

Descubro pessoas sem motor. Às vezes procuro o meu. Se ele me impulsinona para que lado. Se o volante anda hesitante. Garanto que anda excitante. Razões e emoções são fortes demais para eu saber qual eu deixo de lado. Será que tenho que me derreter? As emoções me assustam. Não todas as vezes.

Ônibus lotado, ocupo o assento preferencial. Não entram idosos, tãopouco grávidas e deficientes. Entra uma jovem. Garantida de coisa pior que acabara de vivenciar, ficar de pé em um ônibus atônito era apenas mais uma forma de castigo, de lástima. Perguntei-me de forma galanteadora malandra se era heresia dar o lugar para uma rapariga de boa saúde ou de negar à um necessitado. Devaneio óbvio. Óbvia foi a ação. Não me movi.

Olhos brilhantes, ouvia um grunhido vindo de seu ressoar. Ela está chorando? Não.. Apenas anda resfriada. Rio de Janeiro anda resfriado. Ela não podia? Sim. Ouço mais três, quatro vezes. Reparo e olho todas. Ela não desgruda do seu celular cabisbaixa com as duas mãos em manuseio. Seu corpo somente se apoiava pelo tronco em um ferro, de costas para onde todos não ousavam virar. Havia algo de errado.

Minhas 24 horas anteriores foram as mais inusitadas de que me recordo. Sem a minha máquina do desejo ligada só aspirava um destino diferente em uma noite de sexta-feira chuvosa. Sem muito alarde, apenas algumas risadas que guarde no inesperado. Vodkas, novos amigos e artifícios virtuais me corrompiam até o botão da sobriedade sobre tudo ser desligado.

Muitas nuvens e nevoeiros aquosos mistificavam a lagoa Rodrigo de Freitas. Uma grande janela indiscreta, de Hitchcock, foi aberta e inspirada para odiar tudo aquilo lá fora. Um roteiro feito, muitos vídeos de aprendizes e uma certeza de ligar o botão da sobriedade fora daquele inesperado lugar. Já era noite, perambulava para o meu ponto. Acompanhado apelas por quatro Lager Beers rejeitadas pela Vodka. Ao longe leio: NITEROI. Ao meu corpo vibro. Era o celular. Ele me fez dispensar o meu rumo principal. Talvez aquele ônibus não tinha nenhum motor para mim.

Minha carona de passeio inusitado estava por vir e quase não tomo um rumo mais inusitado. Vejo batedores na rua. Alguém que tem poder. Será que eu não tenho? Acho que para isso que servem os batedores. Para me evitarem. Assistindo a cena lembro que o presidente da Comissão Européia é o único com poderes extra em visita. Por pouco minha Lager Beer não é lançada como um manifestante de esquerda tradicional o faria com muita eficácia. Minha postura foi o olhar de nojo. Certamente o blindar daquele carro não cerceava meu olhar.

Dentro do carro explico estas precedentes estrofes e rumamos para um lugar de alimentos japoneses de última moda. O motor esquentou. Não para mim. Para um casal de mais de 50 anos que se depredava no meio da Rua Humaitá, soltando os leões num lugar onde os próprios leões davam nome. Vagabunda. Insolente. Eram os nomes dos infelizes. Hora de ir embora. Eles para lagoa e eu para a voluntários da pátria, onde meu ônibus faria itinerário. Olho para trás e ele acaba de virar. 1001 vermelho no azul. Era ele.

Operação caça ônibus foi sentenciada por um deles, entramos no carro como se fôssemos policiais atrás do bandido fugitivo. Atrás do motor que eu precisava. Do bandido do motor. Rumamos pelas entranhas do Humaitá e rasgamos Botafogo como podíamos. Os sinais eram vermelhos e verde eram as minhas Lager Beers. Cogitamos Largo do Machado, mas o aterro era sufiente. Peguei o meu motor de supetão e o motorista respondeu ao meu agradecimento como o tal bandido, rendido como numa blitzkrieg mal colocada no tempo.

Ônibus lotado, ocupo o assento preferencial. Caem as lágrimas da rapariga. Concluo em um devaneio virtual: 'essas foram as 24h + inusitadas ever! (e ta caminhando pra 25!)'. Levanto com calma e com certeza. O ar era pesado e ela desacordava da real situação. Pode sentar aqui, por favor. Não, muito obrigada - disse surpresa. Pode sentar! Não, eu passei muito tempo sentada, não precisa mesmo. Você pode fazer isso por mim? - coloco a mão no peito com os olhos penetrantes e sabidos de sua insapiência. Tá bom.

Sentou-se derrotada por si mesma, mas sabendo que alguém se importa por ela, mesmo não sabendo o que lhe aconteceu, se esteve certa, errada ou inerte à situação vivida, tal ignorada, talvez respeitosamente, parcialmente por mim. Seu celular ficara molhado. Estava conectada em um sistema de mensagens instantânea, talvez com o tal problema. Estava visivelmente incrédula e só pensava que o abraço que eu podia lhe dar era o assento. Um lugar um pouco aconchegante onde poderia olhar seu vazio pela janela. Ou mesmo descobrir que lá fora respira sem as lágrimas da tristeza, mas sim com as lágrimas de uma chuva que semeia um novo começo.

Pronto. Acho que achei o motor de que precisava. Ou não. Foi um motor que me impulsionou para um olhar externo. O coração sofre. O olhar também. As lágrimas são como hemorragias simbólicas do coração, prestes a explodir. Mas que o motor seja reabastecido sempre, para ele não parar de funcionar e eu ter um assento para oferecer.

'Obrigada.' 'Fique bem, tá?' Sorriso.

sábado, 3 de julho de 2010

São Paulo

Os táxis são brancos. Talvez para destacar algo naquele mundume de sujeira, de cinzas pré-pretos. As motos são, por hora, sonhos realizados de filmes falsificados vendido na rua que tem nome de data. A mesma data que é comemorada o dia nacional da comunidade árabe. Mas a data de agora é recheada de neblinas pela noite.

Uma noite de comidas saturadas por aqui espanta-se o frio. Assim como andar em uma grande minhoca motorizada com garçons, guardadores de carros, biscates e adolescentes sedentos por lançar novas tendências fashionistas. As ruas são da mesma largura de onde venho. A diferença é que as calçadas por aqui são meros brincos inúteis em uma conquista amorosa com seus enlaces finais.

Em rios consagrados que se fazem a navegação turística por outros lugares do mundo, aqui é a repulsa por completo. O espelho dágua barrenta que perpreta nossos olhos é o mesmo que invade com tristeza nossas falhas nasais. Os parques com árvores são imensos para dar a falsa sensação de um lugar verde. Um verde cinza. Em greve vívida de cor.

Estamos em um lugar que seu sinônimo é status quo. O luxo falso nova iorquino empurra a lavagem cerebral para o ter. Mesmo que eu tenha o bastante. O bastante por aqui é excitamente pouco. O carnaval é produto de samba atravessado. O nordeste do país empurra com a esperança. O sudeste agradece com a bonança.

Os shoppings são quentes para tentar aliviar a inevitável frieza dos impulsos pessoais. A sensualidade se limita ao decote de seios enrustidos por ar puro. Não se notam as pernas, a leveza. Tudo é pesado. Talvez na tentativa de serem a metáfora de prédios arranha-céu envidraçados e concretizados. Prédios são oponentes, carregados, porém frios.

A praia daqui são as vitrines. A água de côco daqui é refrigerante. O samba daqui é eletrônico. O calor daqui é o frio. O sol daqui é a garoa. As necessidades daqui são imposições. O branco daqui é branco para espantar o cinza do ar que respiro, dos prédios que do meu olhar miro, e do asfalto que daqui de cima me atiro.