domingo, 27 de junho de 2010

A vida lá fora

Uma música toca. Não sei o tom, não sei a nota. Dia fervoroso que se abre. Conclusões que mal se encerram. Na janela quase morta se vê um mundo sem graça, como se não houvesse correria. Uma omissão perigosa. Se joga pela frente e abre o paraquedas. A queda não é tão alta, dá até pra ver a formiga levar a folha da labuta.

Pessoas falando de amor como falam mal dos outros num programa de fofocas. O tratam como uma jabulani mal tratada em dia de copa. Sempre polêmico, o amor é efusivo. Tanto na sua presença, quanto na sua ausência. É viver. Ame algo como ama a sua insapiência, sua ignorância adequada para um retrocesso dúbio. A minha complexidade simples é amada por mim e por outras razões de um final de semana atípico.

Quando pousa na rua, sinta-se como um gringo em dia de folia ou numa cremação de um parente próximo. Pode parecer ofensivo do modo de que é feita esta proposta, mas constate o poder avassalador que o mundo lá fora pode lhe fazer experienciar. Surpresas de um florista da esquina ou do pivete da cola de sapateiro, ou mesmo os buracos em que cai na pedra portuguesa lhe traz raiva momentânea, talvez risada pela sua patetice. Vá pela calçada e atropele pelos cantos das ruas. Sinta o prazer de ser notado por carros concentrados em seus trajetos, force uma buzinada ou um farolete de alerta. Queres morrer? Queres atenção? Queres testar um desconhecido?

Pegue o metrô da superfície e sinta graça nisso, se irrite por isso. Desça na estação e ande 1 quilômetro até entrar no vagão onde um imitador de Michael Jackson pode fazer você esquecer do seu destino final. Se incomode com o braço levantado de um trabalhador operário sem os devidos cuidados higiênicos. Saia do metrô e encontre um cenário totalmente diferente do que encontrou quando entrara na estação. O florista virou o choffer, o pivete tornou-se um corredor executivo de final de semana.

Pegue o caminho de volta, pule a roleta da passagem, dê um tapinha na bunda do florista e dê uma nota falsa que encontrou em um pacote de salgadinhos ao pivete. Ria e fuja com a adrenalina do medo prazeroso. Entre em casa e jogue a chave fora. Olhe para fora da janela e encontre um outro jeito mais louco de chorar sua mesmice.

As pessoas continuarão a falar de amor, mas é você que realmente estará amando as pessoas do jeito mais nonsense que poderá desconfiar, sem necessariamente saber o tom, a nota. Você acaba de descobrir que a música é feita de harmonia. A vida lá fora também. E ninguém nota.

O Muro

Num balanço do coração jogo todas as peripécias acima, não tenho certeza se está frio. Perdemos a prisão de outrora, mas ganhamos a liberdade do saber querer. Do saber fazer os caminhos travessos, dos entreolhares que me forçam o sorriso maroto, todo o sentimento de um garoto que se esconde atrás de barba, bigode e um olho inocente. Não temo tudo o que sente, temo a verdade atrás dos muros, das degradações que tiro o proveito, na construção do que eu não sei dizer.

Rompi a marcha ré, maltratei toda fé que me fazia mal. Não sei o que é bom e ruim, sei onde fica o chão onde sapateio os devaneios do dia-a-dia. Temos os bueiros dos meus lampejos, as máscaras onde guardo os meus desejos, a dança onde espanco a minha libido. Tirei os gatos em cima do muro, coloquei os uivos blasfemados no meio da noite, ergui a lua como um ponto de clareza de toda incerteza que me faz feliz.

Se eu tivesse uma cama da felicidade, faria dela uma só unidade entre mim e suas pernas, colocaria todo o seu vestido ardente nas paredes, jogaria fora todo aquele catete que fazia você chorar. Fecharia seus olhos só com um gemido, tomaria todas as suas mãos como se tivesse com a mente tonta, todos os bons distúrbios que me dou conta só para te ver desnortear.

Os gatos dos muros andam sozinhos, repousam sem saber o por quê, compõem a cena do prazer. Sem saber o por quê. Acho que as notas foram demais tocadas, as saudades foram demais ignoradas e não sei com que braço eu arreio a mão. Me explica como eu vou sair, pois não sei com que olhos inocentes tomo as suas crenças, do dia em que olhei pro meu coração.

Tiro quase toda fúria, aplico um bocado de fadiga, choro a minha felicidade de ser, em toda perdição eu me achar sem querer. Nos teus olhos brinco de mal me quer, me faz desprender do copo e da colher que misturo, toda essa excitação de um tempo em que coloquei todo o seu escopo no meu coração cambaleado pelas suas peripécias, travessuras e ternuras do seu eu encostado em um muro lotado de esconderijos mal lapidados. Eu desenho uma obra mais bela, mas mais vacilante que a sua pedra passional. O meu prazer colossal, atemporal.

domingo, 20 de junho de 2010

Soco em ponta de lança

Nas cordas comunistas que S.M. tratava de atravessar entre uma página e outra, somado ao seu ímpeto rancoroso deslanchado com o fato de que seu pai não podia atravessar entre página alguma não modificou seu olhar reflexivo sobre as peculiaridades sociais do mundo em que viveu. Não basta ter uma mente brilhante, quando se a tem, uma particularidade se aflora: a contaminação de uma ideia. Um ideal.

É uma tentativa um pouco à la Nelson Mandela de socar ponta de lança. Da revolução viril de um adolescente ensandecido por mudanças em ritmos mundiais. Sua arma é a que eu uso e a que você é atingido agora: estas palavras. Mas como toda rajada de metralhadora nem todos os tiros atingem o alvo, a minha explanação pode atingir o céu, por mais sublime que este lugar possa associar-se, o céu é um mar do nada.

S.M. tinha o controle da palavra como se ela fosse um bumerangue. Jogava de forma sucinta, com frases e diálogos transando o ar e as páginas como se fosse uma lança obediente, levando o apreciador até o fim do livro, para então fechar e voltar à capa com uma outra sensação. A de ter experienciado um pequeno frescor na mente depois de tanto vento sem direção.

Por mais que sua falastronice fosse tradicionalista icônica, não deixava de causar o mal estar nas cabeças pensantes do talvez falso way of life contemporâneo. Um incômodo bem intencionado onde os fados são escritos sem som, sem imagem. Apenas escritos.

Os escritos alertavam para a cegueira definitiva/momentânea de cada ser pensante tocado por sua metralhadora datilografada. Como todo bom guerrilheiro, S.M. tinha o amor e no ideal e a fúria nos dedos.

S.M. fechou os olhos, mas abriu o meu.

S.M. é José de Sousa Saramago.

"They who have put out the people's eyes, reproach them of their blindness." (John Milton, 1642)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nojo

Bueiros que não lhe tiram a atenção em teus devaneios fantasiosos no cotidiano me pertencem. Não me escondo lá. Eu venho de lá. Escrementos que passam por mim são apenas o meu adubo, a lava do meu sangue enriquecido da vossa rejeição, não ligo. Engulo com gosto. Hm. Hmm. Eu beijo na boca de ratos infectados pelo obscuro. Morcegos sem asas outro dia vomitaram uma gosma verde. Maldito alface podre. McDonald's não faz como antigamente.

A camisinha estarrecida de nojo branco entupia a garganta das baratas atônitas. Um ótimo souvenir da descarga do prazer inverso. Quanto maior a obra de arte mastigável, maior obra de arte defecável. Como podemos ligar a merda que sai.. Que sai da boca de algumas pessoas. Você me odeia. Porque eu sou o seu pior espectro: O seu interior podre. Você se odeia, sua merdinha perfumada!

Hoje achei uma cabeça de porco decepada, a fiz de capacete para servir judeus, árabes e vegetarianos da etiópia. Nada que o bom gosto não faça questão de cuspir, arrotar ou peidar na cara da hipocrisia. Na sua cara. Com cheiro de flores do campo, do campo de concentração a -15°C. Filhos da puta emputecem precocemente. É o que a cria aprende de produtivo com sua guia sórdida e hereditária.

Está no DNA. Não pode mudar o destino de um verme no estômago quando ele já está lá. É uma lavagem cerebral, mas que acontece no seu âmago. A saga da felicidade se esconde por trás de muita ambição putrefata e falsidade bio/ideológica. O medo que carrega é a adrenalina de uma enchente de leptospirose causada por tanta merda que você põe pra fora do seu corpo ilustrosamente fétido.


segunda-feira, 7 de junho de 2010

Carta à luz de vela


Rio de Janeiro, 07 de junho de 2010.

Escrevo sem luz. Apenas à luz de uma vela, antes decorativa, agora à minha serventia. Meus dedos meio relapsos quanto ao frio não esquecem de se movimentar diante tantas teclas negras, sedentas por emoções à meia luz. Noites assim. Noites que me distanciam de alguma coisa e me aproximam de ti, não sei ao exato saber. Faço ideia que possa ser um coração quente a procurar outro tão quente quanto ele próprio.

Quando esteve em minhas mãos naquele dia chuvoso não imaginei que o frio ainda estava por se manifestar desta forma. Hoje não tive minhas luvas de paixão. Não tive como agarrar-te sinceramente. Não entrastes em meu casaco negro, nem com as mãos, nem com os olhos. O único fogo em que senti foi de tua presença, teu olhar esquentando o meu.

Passastes pela porta, não te vi. Notei algo gostoso no ar. Não era teu perfume. Proclamaram teu nome composto. Não sabia que o ar tinha fragrância de tua presença, de intuição. Fizera das janelas um jogo de curiosidade. Esquerda ou direita, não importava. O quintal estava mais quente naquele momento. Não tinha chuva, não precisava. Não fora convidada. Tu foste. Intuitivamente. Gratuitamente.

Senti tua falta de como nunca tivesse sentido. Não veio forte. Veio de um modo interessante: sutil. A sutileza que se percebe nas coisas é como deitar contigo debaixo dos cobertores e trocar teu nome por Rosa sem espinhos. O jardim estava mais quente naquele momento. Beijaste o Girassol como se acalmasse o sol do inverno sem preocupação em se queimar. Não tinha interferência, não precisava. Não fora convidada. Tu foste. Calmamente. Furtivamente.

Não aconteceu nada demais. Mas eras o demais daquele momento. Pequeno momento de troca de palavras, olhares e uma despedida sem ida. O escuro em que me encontro não me lembra dos nossos tempos ruins. Não tivemos tempos ruins. Nosso conhecimento mútuo que era de se fazer esquecer.

Quero te ter por momentos. Pois lembro em que experenciava coisas extasiantes em alguns momentos da minha vida que foram únicos, fora de si. Os nossos momentos são fora de si. Uma experiência que não se tem a todo momento, mas que a todo momento se tem uma nova experiência. O roteiro pode se repitir, mas com palavras deliciosamente escritas diferentemente das anteriores, vicio no teu livro. Curioso fico para saber da página seguinte. Mas não viro mais a página antes de ler até o ponto final.

Não és perfeita. Tampouco sou. Nesta escuridão à meia-luz de uma vela decorativa somos alguma coisa mais intrigante que a página que acabei de virar.

Apago a vela, mas a chama continua acesa.

sábado, 5 de junho de 2010

Ruptura


Correndo de você eu tropeço em minha saia. Saia branca longa e rodada que envolve o teu peito. Enrolando-se em você toda como se grudasse na sua pele. Eu tropeço em você. Piso nos teus pés, cuspo na tua boca, choro nos teus olhos. Corro com as duas mãos puxando a saia. Pesada. Molhada da tempestade que descarregou de repente.

Estapeio-te a cara querendo esquentar a sua distância. Enrouqueço gritando o teu nome com raiva. Sem raiva. Escuto a tua risada malévola na chuva e vejo os teus olhos negros puxando-me para trás. Para trás. Não sei mais diferenciar o que é lágrima e o que veio de cima. De você.

Não sei mais dizer o que é teu e o que é meu. Te reconheço na minha risada e nos meus gestos. Acaricio o meu cabelo, pensando que faço cafuné em você. Entrelaço-me os próprios dedos, querendo sentir apenas uma das mãos e não as duas. Esqueço-me em você. Ou será voce que se esqueceu em mim?

Eu continuo correndo e caindo no meu desespero. Minha saia virou uma extensão de uma lama podre. Uma noiva da pântano. Uma noiva das selvagerias e das incompreensões. Uma noiva sem palavras, sem rimas nem prosas. Uma noiva sem marcha nupcial. Agora eu já corro por não ter sido impedida. Não te sinto me seguir, não te vejo puxar minhas mãos, não escuto os seus gritos. Não está mais enrolado pelo peito à minha saia.

Já corro por não ter motivo de parar. Correr parece fazer mais sentido. Talvez você esbarre comigo no caminho. Talvez eu desmaie nos teus braços e fique com alguns arranhões no rosto. Talvez você chore dizendo que me ama que me ama que me ama. Talvez você me chame de louca. Talvez você diga que tem medo medo de mim. Talvez você rasgue o meu vestido e me deixe nua. Nua.

Nua de meus pesados sonhos quebrados. Nua de meus desejos escorridos. Nua de minha vazia utopia. Nua da brancura dos contos de fada. Suja como uma criança que brincou a tarde inteira. Exausta como uma mulher. Talvez a sua tempestade lave os meus medos e meus ceticismos. Talvez você consiga arrancar-me de minha tremedeira ridícula.

Talvez você consiga marcar-me com os seus dedos e desenhar na minha coxa, a fantasia de borboletas no estômago e sereno no final da tarde.

Sereno.

Avassalador

Chuva de granizo. O frio já guia a alma pra lástima de dor. Conheça-te. Tuas dores são efêmeras. Sacuda e fuja. Sossegue e apareça. Volte à ser criança. As repressões póstumas significarão inveja adquirida. E mesmo que não fossem, o granizo incomoda. Nada como ter uma gota d'água cristalizada abaixo de zero que rouba a atenção de pensamentos alheios em queda abissal rumo a algum lugar que chamam de precipício do velho jeito de agir.

Não é baboseira. É a simplicidade complexada. As definições por meio das palavras são como o tempo. Um dia ensolarado pode conter raios endiabrados escondidos no início da tarde. O algodão doce branco torna ao cinza, à furia negra e grita trovões. Assim como uma noite entre amigos pode acabar em chuva de tristeza.

Eu sou a tempestade. Sou o vento que te golpeia com sinceridade. Misericórdia é mero apelo. Me aprecie pela minha força, minha surpresa. Sou um símbolo da austeridade natural. Não sou artificial. Não penso, apenas aconteço. Posso vir calmamente para acalentar relacionamentos em sintonia. Sou o furacão.

Devasto casas, arraso quarteirões e arremesso minha fúria de saia branca rodada por quilômetros a fio. Sou o peão da morte, sou muita coisa e você coisa alguma. Se um dia sonhou em ser dominada pelo destino, este semeia minha alcunha. Regulo os medos, desmitifico os castelos encantados, dou nó nos teus cabelos úmidos do meu sereno e brinco seriamente de pique-pega.

Sopro tua alma com robustez e vitalidade. Apesar da potência, não esqueço de arrepiar tua pele nua em pelo. Borboletas no estômago? Não há de quê. Bato as asas da falta de calor. Asas que perambulam pelos lugares até descobrires que és o quente e eu.. o frio.

Não importa o que aconteça. Corra! Eu vou te pegar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Escrever


Eu acordo com vontade de dormir. Eu escrevo com vontade de ver um filme. Passividade. Recepção. É mais fácil, mais tranquila. Como beber alcool. Ficamos embriagados, tontos demais para agirmos de acordo. Agirmos pensantes. Preferimos nos entregar às nossas cambaleantes loucuras e estridentes palavras. Gritadas.

Quem escreve quer aparecer.

Não é fácil. Não é gostoso. Fazer sentido ou desfazer os meus sentidos, me dói. Dilaceram-me com a leveza que poderiam ter como pequenas letrinhas pontiagudas. Escrever dói. Libertar-se dos ódios, amores e das faltas. Das insensibilidades. Gosto de lançá-las no papel, na tela de um computador. Como uma bola cheia de tinta que se espatifa numa tela branca. Espatifa.

Escrever é como viver tudo de novo. Todas as lembranças voltam, martirizam, detonam. Todas as alegrias ecoam e junto com elas mancham-se os esquecimentos propositais. A memória é essencial para todo escritor. Para fazê-lo escrever, fazê-lo existir, aparecer. Mas também para matá-lo.

A memória mata o escritor.

Seria melhor se eu me dedicasse aos sofás. Às viradas de páginas que não me pertencem. Que não me são. Ler-se é dolorido demais. É a vida por duas vezes visitada. É a morte por duas vezes. Mas eu prefiro esquartejar-me a cada texto, a cada conto, a cada poesia. Prefiro espirrar-me colorindo os cantos de salas e quartos.

Quem escreve quer aparecer.

Quer ser notado. Quer sujar e limpar todas as dúvidas e certezas do mundo. Quer rir-se de si mesmo e de todos os outros. Que chorar todas as lamúrias da humanidade. Quer destruir toda a realidade para criá-la em uma frase. Escrever é a minha maldição. É o que me persegue ao dormir e me sussurra obcenidades quando acordo. Tenho vontade de dormir quando acordo. Tenho vontade de fugir de mim mesma, porque estatelar-me em versos e prosas é a minha paixão. Paixão.

Fujo do meu próprio gozo, pois sei que não sou capaz de suportá-lo.