domingo, 20 de junho de 2010

Soco em ponta de lança

Nas cordas comunistas que S.M. tratava de atravessar entre uma página e outra, somado ao seu ímpeto rancoroso deslanchado com o fato de que seu pai não podia atravessar entre página alguma não modificou seu olhar reflexivo sobre as peculiaridades sociais do mundo em que viveu. Não basta ter uma mente brilhante, quando se a tem, uma particularidade se aflora: a contaminação de uma ideia. Um ideal.

É uma tentativa um pouco à la Nelson Mandela de socar ponta de lança. Da revolução viril de um adolescente ensandecido por mudanças em ritmos mundiais. Sua arma é a que eu uso e a que você é atingido agora: estas palavras. Mas como toda rajada de metralhadora nem todos os tiros atingem o alvo, a minha explanação pode atingir o céu, por mais sublime que este lugar possa associar-se, o céu é um mar do nada.

S.M. tinha o controle da palavra como se ela fosse um bumerangue. Jogava de forma sucinta, com frases e diálogos transando o ar e as páginas como se fosse uma lança obediente, levando o apreciador até o fim do livro, para então fechar e voltar à capa com uma outra sensação. A de ter experienciado um pequeno frescor na mente depois de tanto vento sem direção.

Por mais que sua falastronice fosse tradicionalista icônica, não deixava de causar o mal estar nas cabeças pensantes do talvez falso way of life contemporâneo. Um incômodo bem intencionado onde os fados são escritos sem som, sem imagem. Apenas escritos.

Os escritos alertavam para a cegueira definitiva/momentânea de cada ser pensante tocado por sua metralhadora datilografada. Como todo bom guerrilheiro, S.M. tinha o amor e no ideal e a fúria nos dedos.

S.M. fechou os olhos, mas abriu o meu.

S.M. é José de Sousa Saramago.

"They who have put out the people's eyes, reproach them of their blindness." (John Milton, 1642)

Um comentário:

Renata Fontanetto. disse...

Que texto. arrancou-me qualquer palavra.